domingo, 12 de julho de 2015

Uma conversa com um paquistanês

Essa semana eu fui para a Bélgica num workshop para estudantes de doutorado aprenderem a falar sobre sua pesquisa em 3 minutos de uma forma interessante, isto é, que chame atenção do público. 

Estação Científica da Universidade de Liège, local em que foi feito o Workshop

Não se preocupem. Eu não vou falar sobre isso.

Bom, como todo contexto universitário europeu, lá estavam vários estudantes de diferentes nacionalidades.

Como nós passamos dois dias inteiros na Estação, deu para conhecer um pouco as pessoas e conversar além de coisas acadêmicas.

Quando eu cheguei no local, a primeira pessoa que notei foi um homem com uma barba muito comprida, estilo Bin Laden mesmo e roupas pretas. Ele tinha uma cara muito séria, talvez uns 35 anos. Logo logo deduzi que ele provavelmente era muçulmano. 



Quando todos saímos para almoçar e ele ficou, eu constatei sua religião. Um escocês que seria colega de quarto dele, nos contou que ele só faz duas refeições por dia. Uma depois das 22h e outra antes do sol nascer, lá pelas 3h da madruga. Então praticamente, ele comia nas horas em que estávamos dormindo.

Conversa vai com a chinesa, o argentino, a vietnamita (que por sinal, falava tanto que no almoço eu esperava ela sentar antes de escolher o meu lugar), até que uma hora eu estou do lado do paquistanês.




Não é que eu não quero conversar com ele ou algo assim. Mas os EUA fez sim um bom trabalho em me assustar ao ver um muçulmano. Eu sou uma mulher, no meio de vários homens, sou mãe, deixei meu marido cuidando do meu filho em casa enquanto eu fui viajar para outro país, sou de uma cultura onde temos Carnaval, isso provavelmente é o inferno dos muçulmanos, não uso véu, trabalho, e não estou numa relação em que devo obedecer meu marido. Alias, ele que venha com historias de obediência ... :)

Planos malignos contra homens que acham que mandam nas mulheres

Brincadeirinha

 
O Dani mesmo assim fica com medo


Resumindo, eu estava sim um pouco relutante em falar com o Mohammed. O nome dele não era esse, mas Mohammed é o nosso João. Então vou chamá-lo assim. Mas naquele momento que eu estava ao lado dele, ele me olhou, sorriu e perguntou meu nome. Na hora que ele sorriu, ele até perdeu a barba do Bin Laden para mim.

Começamos a conversar sobre nossas pesquisas, mas logo logo a conversa foi para “filhos”. Ele sabia que eu tinha um menino provavelmente depois de me ver mostrando fotos do Ben para todas as pessoas que passavam pela minha frente.


Se eu babo demais no Ben ele fica assim...

Então ele me perguntou:
- Você acha difícil ficar longe do seu filho quando está no trabalho?

Na hora pensei... Vixi... Lá vai eu ouvir que sou uma “Rabenmutter” (lembram? Da mãe egoísta alemã que decide trabalhar?)...




- Sim, sinto falta, mas não o dia inteiro - digo.
(espero que nenhuma mãe helicóptero está lendo isso)

- Eu também... Tenho duas filhas e sinto falta delas. Quando eu chego atrasado do trabalho elas me fazem prometer que amanhã tenho que chegar 30 minutos mais cedo para compensar o atraso. Sabe? Eu adoro quando elas fazem isso - diz ele.

(barbucho mais fofo - pensei gritando dentro de mim, mas claro não ousei abraçá-lo ainda).



- Ai eu adoro quando chego na creche, o Benjamin me vê e começa a vir na minha direção rindo - eu complementei.

- Não é ótimo ter filhos? - disse ele

Mais meia hora falando disso, mostrando fotos e rindo das graças que nossos filhos fazem...

Depois ainda conversamos de esporte, ele acha atividade física muito importante. Faz esporte todos os dias, e se alimenta muito bem (de madrugada... pensei eu). Claro, não bebe e tenta ao máximo não comer açúcares. Acha que eles viciam e fazem mal para a alma.

No dia seguinte já eramos best-buddies. Do tipo, na hora das atividades eu pensava "Olha o Moha ali!" E ia sentar do lado dele.



Eu fiquei então pensando que mundo incrível que é esse em que uma brasileira  pode conversar com um muçulmano de uma forma tão agradável e gostosa.

Só algumas situações nessa vida podem proporcionar tal vivência. 

A Aiesec, por exemplo, que é uma associação de estudantes que eu trabalhei em 2008 foi criada depois da segunda guerra mundial, justamente para proporcionar a diferentes culturas, tais trocas e ver se, conhecendo outras culturas, conseguimos acabar com preconceitos, desmistificar ideias absurdas, tornarmos amigos de nossos inimigos e sermos pessoas mais serenas. Levar serenidade assim como sabedoria, para nossos países de origem. E em consequência, fazer menos guerras.


Meu intercâmbio na Polônia pela Aiesec

Na minha vida, a outra situação é Luxemburgo. O Grão-duque provavelmente nem imagina que o fato dele acolher tantos estrangeiros pode estar diminuindo o preconceito em relação a várias religiões, etnias e grupos. E talvez até espalhando esse bem-estar para outros países. 

Ser um país multicultural faz com que as pessoas troquem dicas sábias de criação dos filhos, relacionamento com os maridos e mulheres, com o governo, com o trabalho. Da mesma forma, faz com que você abandone crenças errôneas que tinha sobre o mundo e as pessoas que te fazia se comportar como um bobo.

Imagine agora um mundo em que o terrorista da Tunísia pudesse ter tido a oportunidade de conversar com um inglês cristão, conhecido sua família, participado de uma refeição. E vice-versa.
Imagine um mundo em que o político morasse perto de seus eleitores e eles pudessem conversar seriamente sobre os problemas de seus países.
Imagine um mundo em que um bancário encontre no trem o seu cliente que não concorda com as novas taxas.
Ou o evangélico tenha a oportunidade de conhecer o novo namorado do seu amigo gay. E os filhos do traficante, do policial e do político estudassem na mesma escola, fossem amigos e obrigassem seus pais a se encontrarem porque querem brincar...
Bem... Desligando o botão John Lennon, eu gostaria de convidá-los a viajar, mas não a tirar somente fotos dos prédios, igrejas e pontes, mas a conversar com as pessoas, contar de vocês e perguntar delas. Talvez as melhores viagens que fiz, foi aquelas que esqueci de tirar fotos...


Você nem precisa ir longe. Sua cidade vizinha provavelmente tem alguém que precisa desabafar sobre seu pessimismo em relação a empresa que trabalha ou sobre o futuro de seu filho.
Espero que o Mohammed tenha tido a mesma reflexão que a minha e passe para seus amigos e familiares palavras doces sobre os brasileiros, os ocidentais, as mulheres.
E que ele nunca, mas nunca me convide para jantar na sua casa, porque definitivamente lá pelas 22h já estarei morrendo de fome.

Um abraço carinhoso para o Mohammed e sua família.

Cíntia