sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Tabus maternais



Existem três tópicos muito mencionados entre mamães de primeira viagem: sono do bebê, choro e amamentação.



Para mim, existiam alguns comportamentos básicos que deviam ser vividos entre mães e filhos e nunca questionei a “existência deles”: amamentar em primeiro lugar, amamentar sob demanda do bebê, independente de quantas horas ele acordasse a noite, apaziguar qualquer choro do bebê.



Esses comportamentos, não são consenso aqui no país de Luxemburgo.



Eu participei de um encontro de pais para conversarmos sobre choro e sono do bebê, na casa de uma doula inglesa muito simpática e querida.



Primeira pergunta ao se chegar na casa dela foi: Você quer chá? Of course. 







Sentamos na sala confortável dela. Imaginei-a sentada naquela sala, toda elegante, com a lareira acesa, lendo um livro e tomando chá às 17h. 


Voltei a realidade quando o Benjamin começou a chorar. 
 

Na conversa entre os pais, ouvi das mais variadas formas de criarem os filhos. Quase todos os pais que estavam ali tinham problemas com os bebês nas noites. Eu achei que eu tinha problemas, mas saí de lá achando que o Benjamin é o grão-duque do sono.



Uma mãe da Eslováquia contava com lágrimas nos olhos que seu bebê de 6 meses acorda desde os 3 meses a cada hora na noite. Outra mãe polonesa contou que seu bebê de 7 meses faz três semanas que acorda a cada 2 horas e ela estava tão acabada que um dia na madrugada gritou com seu filho. Uma italiana contou que a bebê dela dormia bem até às 4h da manhã, quando acordava e não queria mais dormir, então ela passa toda madrugada de 1h a 1h30 fazendo a filha voltar a dormir, um dia ela, o outro, seu marido. 





Uma inglesa, bem quietinha e sorridente, sem olheiras, com um ar muito sossegado, disse que sua bebê de 3 meses dorme a noite inteira, até às 7h da manhã no seu próprio quarto. E o povo:







A inglesa e a italiana me convidam para um café no dia seguinte com mais duas amigas holandesas. Claro que eu aceitei! Não perco um encontro de mamães! ADORO! Estou virando profissional até nisso. O Daniel já perdeu as contas de quantos grupos eu participo.



Cheguei ao encontro e lá estavam as duas holandesas e a inglesa, super elegantes, com cútis de pêssego, olhos brilhando, cabelos lavados e deslizando no vento friozinho de Luxemburgo. 



A italiana, chegou atrasada com um ar de quem não dormiu bem. 



Todos nossos bebês têm 3 meses. Chega aquele momento em que os bebês começam a chorar e todo mundo presume que é fome então sacam os peitos para fora, menos uma das holandesas. Eu a olhei, provavelmente com uma cara de “não vai mostrar a teta?” e ela diz: “Amamentar não é para mim”. Ela conta que tentou por três dias, não gostou e o seu bebê toma complemento a cada 3 horas.



Em um certo momento, o bebê dela começou a dar uma reclamadinha, ela olhou no relógio e disse “hum, ainda não são onze horas”. Conversou com ele e logo ele voltou a sorrir. Estranhamente, ele era o bebê que menos chorou.



Papo vai, papo vem, quando finalmente tocamos no assunto sono. Eu perguntei:



- E aí, como seus bebês dormem?

Elas (holandesas e inglesa):

- Bem ué, a noite inteira.

Aí uma delas:

- Eles foram treinados (em inglês “They were sleep-trained”).



Na hora eu pensei “Meu Deus, elas não tem medo de falar isso em voz alta? Elas não tem medo do julgamento de as outras mães saberem que elas deixaram seus bebês chorando?”.




E eu:

- Vocês não tem medo que isso pode causar algum dano aos bebês?

Elas riram.

- Claro que não, quanto menores, mais rápido eles aprendem e menor o sofrimento deles.

Elas acreditam que é muito importante eles aprenderem a se acalmarem sozinhos, assim como dormirem sozinhos. Acham que dentre tantas coisas que os pais ensinam, dormir é uma das coisas difíceis de ensinarem, mas assim como todos os comportamentos que envolvem “serem independentes” são difíceis de ensinar. Da mesma forma, acham que o bebê dormindo bem, evita conflitos entre o casal, entre a mãe e o bebê, diminui a probabilidade de depressão pós parto e facilita os cuidados e afeto durante o dia. Alias, elas eram muito afetuosas com seus bebês.


Fiquei pensando se elas falassem isso numa roda de conversa no Brasil o quanto não iam ser massacradas. Como tenho uma crise de nacionalidade ouvi aquilo com olhares de antropóloga...







Depois falamos de choro. Que é bom saber que outros bebês também choram e que é muito difícil lidar com o choro deles. Que muitas mães parecem esconder os problemas da maternidade, como se existisse uma pressão social em que a mãe nunca pode ter sentimentos negativos em relação aos seus bebês. Por isso, uma foto postadinha no Face garante que todos acreditem que criar bebês são só flores.



Acho que não tem um grupo mais julgado socialmente que pais... Talvez professores e homens quando estão em bares e não bebem cervejas, ou quando estão em clubes e não paqueram mulheres. O que me deixa mais boquiaberta é a convicção com que algumas pessoas falam daquilo que é certo ou errado. Acho que eu e outras mães que conheço, fazemos parte do clube da dúvida. Temos debates recheados de dúvidas sobre o que realmente é certo ou errado. No fim, sempre chegamos a conclusão de que comportamentos como deixar chorar, treinar o sono, amamentar ou não, não é certo ou errado, é cultural e pessoal.



Por isso, algumas mães vão guardar seus segredos de educação dos filhos a sete chaves, se aquilo que elas fazem pode ser considerado imoral em seu círculo de amigos. Mesmo que tenha tido um bom resultado (isto é, criança feliz e saudável!).



É claro que estou falando de comportamentos que ninguém realmente sabe se a longo prazo causa danos – como de treino de sono, etc. Amamentar é consenso que é melhor que Nestlé, mas não quer dizer que os bebês não amamentados serão adultos com muito mais problemas de saúde, nem sempre.



Voltando de busão para casa com o Ben, ele adora uma sonequinha no busão...






 ... fiquei pensando no fato de que a Holanda é um dos países que mais incentiva o parto normal e em casa, não em hospitais. É o país com menor índice de cesáreas da Europa. As doulas são muito mais importantes que os médicos e que isso seria motivo de elogio entre muitas brasileiras.



Mas após o parto, essas mesmas mulheres que tomaram cuidados para seus bebês nascerem de uma forma mais natural e tranquila possível, teriam pregas de letra Escarlate ao anunciar que iniciariam o treino de sono de seus bebês.



Agora entendo mais esse conceito de “multiculturalidade” que para mim hoje não tem nada a ver com o papo filosófico da academia, e sim com minha capacidade e dos meus amigos estrangeiros de aceitar meus comportamentos, apesar de serem diferentes dos deles, sem sermos julgados (tirando aqueles de direito universal dos homens, please). Apesar de elas acharem curioso eu “aceitar” acordar a noite para amamentar, elas não acham que eu deveria parar com isso. 

Assim como eu hoje aceito meu amigo inglês ser a favor da monarquia. Foi difícil!

 



A única coisa consenso entre nós é a refeição em cima da mesa – chocolate quente e croissant. Sim, a comida francesa é excelente escolha para qualquer mamãe!  

   
Nós comendo croissants :)
 Cíntia